Parecia que a música tava pesada, e parecia que o ar tava pesado e parecia que a granulação tava pesada e parecia que a luz tava carregada e parecia que o tempo estava engordurado e melado e lento como aquele cigarro.
Quando você fuma um cigarro é que a coisa tá pesada, ela disse. Eu falei que então vão ser dois porque hoje tá foda. Um cigarro em silêncio, com o coração pesado, com as costas pesadas, quanto tempo dura? Só me vem à cabeça a palavra: dinossauros.
Nós dois numa mesa familiar, de uma cozinha familiar. Nós dois botando as cartas na mesa, não, nós já terminamos o jogo e agora é a hora de confirmar os prejuízos. Quanto tempo dura um cigarro quando você quer que o tempo passe para frente, quando você quer que aquele barulho que está zumbindo no seu ouvido fique cada vez maior até se tornar branco e sua cabeça explodir. Cinquenta cavalos massacram meu coração e eu não consigo pensar e eu só penso em como eu não conseguir pensar é dor. Por que sou eu sempre o tempo todo, porque sou eu sempre em tudo, nas vitórias e nas derrotas, porque a realidade é culpa minha?
Um terço do cigarro e se você não estivesse aqui meu corpo teria se retraído todo como um maracujá prematuramente seco. Você diz que não quer ceder e eu digo que tudo na vida são trocas. Sinto vergonha de tentar convencê-la que vale a pena.
Eu tento lembrar da infância, de uma época que eu não tinha cobrança nenhuma e imagino que lá era perfeito, só pra sensação de perfeito do passado me tocar no presente e me dar um pouco só de paz, na verdade, uma safa tentativa de desviar minha mente daquele nosso assunto: nós assunto. Sobre a mesa, como uma fruteira de frutas passadas, esperando a divisão das frutas, de quem sai com a maioria dos frutos podres. Eu gostaria de poder lhe culpar.
Eu lembro de tudo, lembro do nossos bons momentos e toda a felicidade me deixa mais triste. Meu coração negro não vai conseguir guardar nenhuma das nossas alegrias. Espero que você tenha mais sorte, espero que você consiga raciocinar. Meu coração queima como essa brasa do cigarro consumindo todo o papel de nossos diários. Eu sei que você vai sentir pena, mas eu sou assim moça: gasolina. Estupidamente inflamável, consumível.
O cigarro chega ao fim numa mistura de alívio e desespero. Não tenho mais o que pensar, e já repensei tudo quatrocentas e sessenta e cinco mil e duzentas e quarentas e duas vezes. Você pergunta se é o fim, mas você já sabe. Eu digo que não tem outra forma e você diz que vai dormir no sofá.
Seguro sua mão e peço para você dormir comigo. Em cima da minha cama tem um monstro e ele me apavora nas noites tristes.