Deitado com as costas no chão frio da cozinha pensava sobre o que havia dado errado. Não essas coisas que pensamos sobre as coisas. Queria entender o próprio problema estrutural do sistema. Não descobrir a fórmula do sistema, mas simplesmente compreender o movimento das energias. Não o que ele havia errado ou ela havia errado naquele dia tal, com aquele gesto daquele dia.
Tudo o que havia aprendido recentemente era como as pessoas têm formas muito distintas de compreender as relações humanas. Às vezes opiniões completamente contraditórias. Como saber quem está certo? E como isso se dá quando o discurso da pessoa parece destoar, através de nossa leitura individual, da vida desta mesma pessoa?
Às vezes Erick pensava que o ideal era olhar para o fundo de si mesmo, sozinho e em silêncio, buscando encontrar a porta que está aberta para a dor. E trancá-la. Mas ele também sabia que o olhar do de fora poderia ser útil. Além do mais, quanto do olhar dele já não estava embebido do olhar do outro?
Não se tratava apenas de ser feliz. As pessoas não entendiam isso. Erick queria ser pleno. Como um anjo ou aqueles monges de laranja. Ele queria ser como uma bela música. Ele queria estar numa dimensão transcedental.
Sabia que as pessoas achavam isso impossível, mas ele queria ir além (limitado pela vida, como um passarinho na gaiola).
Ele queria que sua forma de amar fosse leve como uma pluma. Criança quando encontra um brinquedo perdido.
Mas as camadas de células eram labirintos até o coração. Entre ele e o pedido de um copo de água, havia um oceano. E todo passo em direção à vida precisava ser o passo perfeito. E a falha trazia auto-humilhação. A mais catastrófica busca pela perfeição. Ele queria ser deus e isso pesava vinte e sete quilos nos seus ombros.
As coisas não podiam ser compreendidas e por isso ele tinha que ir além. Tudo o que ele queria era amar. Mas como era possível amar o outro? E se o importante era amar, não poderia amar apenas a si mesmo e nunca mais se decepcionar? Ou decepcionaria-se a si mesmo? Porque estava deitado no chao de piso frio, sentia um frio doloroso e intenso nas costas. Era como se algo o atravessasse. Ele precisava entender tudo aquilo, porque parecia que estava perto. O segredo do universo parecia estar logo depois da esquina. O que era, afinal, aquilo que o jogara ao chão? Porque permitira que outra pessoa o ferisse? Porque entregara as suas chaves para alguém que cortou sua garganta?
Lembrou-se que a verdade estava ali. Que tudo que existe no mundo sempre esteve desvelado. Ele sabia que havia um degrau a mais para subir. Encontraria a chave do amor, pois era dali que sairiam todos os seus monstros. Faria uma peregrinação mística pelo seu passado, pela sua mente, pelo seu corpo em busca de entender. E até la, prometeu, a si mesmo, apaixonar-se apenas pelas estrelas.