Nosso amigo Erick adora aprender com o jardim. Não que seja ruim aprender com os outros, obter novas informações e ensinamentos, mas parece que também é possível aprender com o silêncio das plantas.
Olhando para o jardim iluminado pelo sol do meio-dia, Erick pensava sobre as mudanças da vida. No jardim não existia apenas uma grande variedade de plantas, algumas mais parecidas do que outras. Existia também as pequenas mudas, as plantas jovens, as mais antigas e as sementes caídas no chão.
Uma vez leu em um livro best-seller – um livro antigo e despedacento que ganhara de amigo secreto de um amigo no terceiro colegial – que o jardim perfeito demorava uma vida inteira para ser feito. Erick se esqueceu dos personagens e da história clichê e exagerada, de um assassino que escalava montanhas, mas manteve a metáfora do jardim. Do jardineiro que busca a vida toda a perfeição das cores, formas, luz, terra, água, insetos…
Os jardins faziam parte da vida de Erick. Mas infelizmente nem todos tinha a sorte de ser um Luís XIV para realizar seus planos numa Versailles. Talvez jardim não fosse a palavra certa, pois o que importava de fato era a relação em torno da terra, origem de toda vida.
Algumas pessoas estranhavam essa sua relação com a terra, um jovem urbano que gostava de tecnologia. Mas essa relação havia sido transmitida primeiro pelo seu avô. Um homem embrutecido, de gestos duros, que se irritava fácil e que passou a vida inteira trabalhando no cabo da enxada. Na primeira metade, revirando a terra na lavoura. Na segunda metade, revirando cimento numa fábrica de concreto. Resistente como uma flor que nasce no buraco das sarjetas de uma avenida, o cimento foi encurralando o velho, diminuindo cada vez mais o cimento sob seus pés. Porém, até o fim da vida teve horta, onde produzia verduras e abóboras que trazia para casa, como meigos presentes de um homem que não conhecia o carinho.
Quando passou a morar sozinho, numa antiga casa, resolveu aproveitar o quintal. No início era só a ideia de economizar no mercado, no sacolão. Depois passou a ser um passatempo, distração das atividades. Com o tempo se tornou um local de aprendizado e crescimento. E era isso que acontecia agora, enquanto ele olhava aquele jardim, arduamente trabalhado nos últimos 5 anos. Sentia ao mesmo tempo uma sensação dúbia de perda e ao mesmo tempo crescimento. Era essa a mensagem que o jardim estava lhe ensinando naquela tarde ensolarada, quente e seca. Que tudo é feito de ciclos.
O problema é que os ciclos também eram dúbios, porque falam de começo, meio e fim, mas também de tudo ao mesmo tempo. Como a palavra “planta”, que inclui a muda, a planta e a semente, sendo tudo e também parte. O jardim ensinava que os ciclos não são círculos. Se fosse puramente simples e repetitivo seria um ponto, e o tempo não existiria senão preso dentro de si mesmo. Os ciclos eram espirais, porque se repetiam, mas cada vez de forma diferente, expandindo na direção da energia do bing bang. A semente de todas as sementes.
O problema dos ciclos é que eles são dúbios e, no retorno de uma volta, parece que vamos colidir com o passado. O eu de hoje com o eu de 10 anos atrás. E não tinha mesmo como entender porque devia ser uma limitação do ser humano que não consegue parar o tempo para entender, por isso está sempre entendendo o passado. Acha que o novo não é velho, acha que o igual não tem novidade, e acha que o velho é o igual para sempre.
Desceu e caminhou em volta do pé de limão. A árvore ainda não tinha dado seus primeiros frutos e seria uma pena não vê-los. E não era só ver, porque já tinha feito planos de colher, lamber o azedo com a língua, temperar a salada de tomate com alface, inúmeras limonadas e até tempero de pratos mais complexos. Achou que a reta era eterna. Mas não importava mais, porque a vida fazia uma curva e aquelas duas linhas de existência, ele e o pé de limão taiti, iriam seguir rumos diferentes.
Já tivera aquela sensação, embora fosse outra, de olhar um jardim pela última vez. Também abandonara o jardim da casa antiga quando teve que se mudar, e agora, uma nova mudança obrigava um novo fim. As exigências financeiras exigiam uma casa pequena, sem jardim. Ele estava triste mas também não, porque parece que os ciclos têm fim, mas são apenas curvas.
Teria que recomeçar tudo de novo, mas isso não mudaria o fato de que havia comido dali muitos alfaces, chicórias, rúculas, abóboras, berinjelas, quiabos, mamões, bananas, amoras… e limão não. Ainda que tenha devastado o mato com sua fome de novidade, feito canteiros como se fossem eternos… ele sabia que um jardim perfeito nunca tem fim.
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