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O relógio despertou. Levantei cambaleante. Desligar, função soneca +10 minutos ou criar coragem para enfrentar o sol? Alternativa C mais ou menos e andarilhei zumbizando até o sofá da sala. Liguei o telejornal e o mundo já tava a mil por hora. No sofá meu corpo entre o mundo dos mortos e a greve no metrô, o escândalo do congresso e o zelador da prefeitura que saiu vestido de policial e executou uma pessoa a queima roupa?!?!?

O mundo é louco, nêgo! Os apresentadores acabaram de apresentar o caos e a treta com a Rússia e eu tive que acordar de vez ou veria a Ana Maria Braga. Escovei os dentes e lavei o rosto (precisava comprar um novo creminho de lavar a cara, desse, que só esse, consegue tirar as camadas de gordura e passado de meus póros) e era hora do café da manhã.

Abri as janelas e deixei o sol entrar por todos os vãos. Meu intestino me fez mudar os planos e corri para a cagada matinal. Sentado no trono li mais duas páginas do livro que estava acabando, o que me deu aquela sensação ótima de livro cumprido. Lavei as mãos (importante frisar) e fui para cozinha. Peguei a farinha de milho e, caralho, esqueci de botar um som animadão. Queria alguma coisa cantante: Engenheiros do Hawaii. Sonoramente voltei para a cozinha e coloquei no pratinho a farinha de milho, a de linhaça, aveia, soja e os demais temperos. Era dia pra tomar café, com certeza, hoje a alegria valia uma azia. O canecão de ferver água tinha chá de erva-doce da noite seguinte. Botei na xícara e pus para esquentar no micro. Voltei ao centro da cozinha e dei uma dançadinha cantando sobre a voz do Gessinguer, lavei o canecão e botei a água pra ferver.

Com a frigideira esquentando fiz as bolinhas de massa e prensei a primeira transformando-a num disco rústico. O micro apitou, o chá ainda estava bom. Corri para a sala para postar um bom dia na rede social, mas a internet não estava funcionando 🙁

Voltei para cozinha recolhendo alguns lixos. Pensei que tinha uma conta de internet atrasada, lembrei que precisava enviar uma documentação, trocar um produto, escrever um texto, a água ferveu, merda!, botei no coador, virei a massinha na frigideira. Fui para o centro da cozinha de novo e fiz um air guitar para o refrão da música.

Comecei a comer a primeira massinha enquanto controlava o café e trocava o lixo da cozinha. Peguei as folhas lavadas de alface no teipouér da geladeira. Aumentei o som da música, dei ração para a gata que miava nos meus pés. Tombei a xícara na direção da minha boca e a maré negra do café amargo sem-açúcarado inundou minha alma. Lembrei do texto do Carpinejar sobre o ansioso e pensei que só quem está acostumado a tomar café sem açúcar consegue perceber o doce natural do grão.

Dobrei a segunda massinha sobre o recheio de alface enquanto os Engenheiros mandavam: Já vivi tanta coisa, tenho tantas a viver / Tô no meio da estrada e nenhuma derrota vai me vencer / Hoje eu acordei livre: não devo nada a ninguém / Não há nada que me prenda. Então me veio na cabeça aquela famosa frase de um dos meus personagens preferidos da literatura universal: “o Coronel Aureliano Buendía promoveu 32 revoluções armadas e perdeu todas”.

Hoje era um ótimo dia para começar a busca do meu novo sonho, número seiscentos e quarenta e oito.

 

* a imagem Balão – Nipodelic foi retirada do Flickr de Sondel publicada sob Licença Criativa (Creative Commons)

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