Já não podia mais vê-la quando olhava para trás. Linha do horizonte ou curva momentânea? E ela deixava de aparecer no espelho retrovisor…
Agora eu podia realmente me focar na estrada a frente, pensar nos destinos e paradas. No porta-malas levo as lembranças. Duas malas grandes de boas lembranças e, sim, é verdade, uma pequena maleta de mão com as más recordações.
No rádio boto uma música suave, um rockzinho nacional com um belo solo de gaita. Lembro que ainda não comprei aquela gaita que eu tinha como meta comprar e voltar a brincar. Lembro-me que ainda tem coisa pacaralho que eu quero. Mas, sim, é verdade, se conseguir ou não… meus ombros estão mais leves.
Vou sozinho em busca de mim. Preciso me resolver de vez com a solidão e perder o medo de encontrar aquilo que eu não quero entender. Isso me cansa como vírgulas. Deixarei o texto correr solto, como cabelos soltos. Eu ainda não li o livro do Tao, mas tenho cada vez mais certeza que a vida flui escorre e o melhor é não remar.
Eu ainda não deixei de amar espelhos. Narciso. Tá certa ela em não me deixar moldá-la. Mas eu vou aprender um movimento de mágica, um gesto de mão. Quero aprender a derreter ferro só com o calor do corpo. Eu vou, mas não sei se volto pra contar pra mim mesmo.
Vejo o pôr-do-sol. Está lindo, mas tenho uma ligeira sensação de que continua sendo a mesma coisa de sempre.
Castelos desmoronam e a vida continua. Aprendi a gostar de todos os sabores, doce, salgado, amargo, azedo, xoxo. Eu aprendi a gostar de todas as frutas, até jaca. Acho que respirar já é o trabalho diário de uma pessoa. Não sei se o segredo é não deixar de procurar, ou simplesmente parar de procurar.
Jóia rara. É sempre mais difícil partir levando um pedaço de amor. É difícil sentar na mesa e partilhar os méritos e culpas. Talvez seja por isso que desistimos e fugimos, mesmo sobrando um resto de amor na despensa.
Aumento o volume para não ouvir meus próprios pensamentos, não quero pensar no “e se…”.
Sinto-me totalmente livre. E terrivelmente triste.