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Erick saiu para caminhar naquela noite intranquila. Queria ver as estrelas, mas o céu estava todo negro. Sua primeira constatação foi de que não é possível forçar o amor a acontecer. Essa foi apenas a pequena abertura, sabia que a noite toda sua cabeça seria tomada por aqueles pensamentos. Inferno, era essa a sensação.

A noite era quente, o ar não se movia. As pessoas saíam às ruas como as baratas saem do esgoto no calor.

Ele estava sozinho. Autormentado. Sentia às vezes uma vontade de chorar. Os olhos lacrimejavam, então respirava bem profundamente e engolia aquele petróleo viscoso, aquela bile negra que subia do esôfago até a garganta. Um pequeno poodle negro roía seus ossos internos.

Um homem a beira do colapso. E por que? Lembranças não paravam de vir à sua mente, como um carrossel de demônios. E cada vez interpretava, se defendia, esquivava da uma forma distinta. Talvez essa fosse a única coisa positiva, que a impotência, a fatalidade, a raiva, o rancor, a mágoa, depois a raiva de novo, a dúvida, a impotência, a depressão, e depois a raiva contra sí, e depois a dor, e depois o cansaço, a negatividade, a desesperança… o que viria agora talvez fosse bom. Minimamente melhor.

Mas olhando para as pessoas nos bares, conversando nas mesas na rua, bebendo cerveja ultra gelada, rindo… será que ele estaria apto a conviver com o bom que poderia vir agora? Ele mesmo precisava ser melhor, ele precisava ter a luz que não seria sugada nem mesmo pelos buracos negros.

No momento sua luz poderia ser sugada por um amor fracassado e uma amizade traiçoeira.

Pensou sobre seu primeiro amor. A primeira garota que lembrava de ter gostado. Era na primeira série, seu nome era Elaine. Ele a chamava de monstro de sete cabeças. Ela corria atrás dele e dos outros garotos e os acertava com sua lancheira azul. Seu contato físico se dava através do chute na canela executado pelas botas brancas de bicos pontudos.

Mas por que seguir uma linha cronológica? O tempo é apenas uma invenção do presente. Besteira acreditar que o um fio de Ariadne pudesse descobrir o sentido original das coisas, trazido até o hoje por um encadeamento lógico. Será que, realmente, cada uma das suas histórias de amor servira de uma construção de tijolinhos que chegavam até aqui? Nessa noite calorenta e viscosa? Então havia algo de errado nos fundamentos.

Antes mesmo de qualquer experiência havia aquela coisa freudiana. Filho único, criado com a avó. Mais peças de um quebra-cabeças. Seria aquela necessidade do outro, resquício da solidão de uma infância sem irmãos? Seriam suas falhas fruto de uma desnecessária necessidade constante de afeto, de afirmação? Não, não seria simples assim. E aquelas histórias que foram o avesso? Quando se mostrou indiferente, frio, cruel…

A vida é muito longa pra caber numa noite. Seja o passado ou presente ou futuro. Um besouro em vôo descontrolado chocou-se contra seu peito e ali agarrou-se. Não chacoalhou a camisa de imediato. Parou e observou aquele pequeno ser negro. Talvez o besouro significasse a condensação de todo o pensamento daquela noite. Aquele ser poderoso, com aquela carapaça enorme. Não era essa a grande lição? Proteger-se com a mais potente das armaduras? A mensagem parecia clara e simples, no entanto, percebeu-se após alguns segundos de apreciação, que poderia esmagar aquele inseto ínfimo com o menor dos esforços. Escutar aquele créck de cascas trincando e fincando a própria carne macia. Agora Erick era Deus. Porém, não o mataria, pela própria beleza imponente daquele pequeno tanque de guerra. Pela sua calma, como um grande boi de aço. O besouro venceu novamente, e dessa vez sua força foi sua beleza e calma.

Pegou o inseto com os dedos em formato de pinça. Com delicadeza e um pouco de força porque ele não desgrudava. Colocou-o no cano de ferro que segurava a cerca metálica do depósito de materiais de construção. Pensou ainda que poderia, enfim, esmagar o inseto com um chute. Recuperar seu estatuto de Deus e poder dormir com um pouco mais de auto-confiança. Não.

Talvez o que havia ali na verdade era uma sinergia. Um fluxo, um aprendizado mútuo. Um engrandecimento. Sentiu vontade de tatuar um besouro no corpo. Talvez escolher o símbolo do besouro como um animal daquele novo totem. Um totem dessa nova fase, dessa nova busca que Erick iniciava. Porém, o carro desgovernado atingiu suas costas derrubando cerca e tudo. Seu corpo rolou alguns metros no chão de cimento e sua nunca bateu contra uma pilha de tijolos que desmoronaram sobre seu corpo.

Abriu o olho. O som das ondas do mar. Calor e suavidade. Estava deitado na areia da praia. O céu negro, a brisa do mar, o corpo dormente. Viu uma estrela no céu ou seria um avião? Sentiu seu corpo flutuando. Estava numa embarcação? Pessoas, sirenes, resgate. Dormiu novamente enquanto seu corpo era colocado na ambulância.

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