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Parou no posto para comer. Precisava de uma pausa, já estava na metade do caminho.

Uma vontade porém o fez sair rapidamente. Uma falta de ar, na verdade. Pediu eufórico que o café fosse colocado num copo plástico.

Lá fora seguiu pelo estacionamento até a lateral do posto onde ninguém poderia ver seu rosto e seus olhos só poderiam enxergar a paisagem. Pensou que seus olhos derramariam lágrimas, mas conseguiu aspirar o ar com profundidade pelo nariz. Sentiu como se o ar desgrudasse costas e peito, deixando de ser uma folha fina.

Era difícil chorar. Os olhos marejvam e algo inflamava no meio da gargante. Mas se tivesse que contar, contaria como choro, ainda que não houvessem lágrimas.

Segurou com as duas mãos o copo de café absorvendo seu calor. Ficou olhando a paisagem agrícola enquanto sorvia pequenos e espaçados goles. Era uma bela vista, pequenos montes mais baixos eram preenchidos por grama, poucas árvores e, lá embaixo, um plantio de laranjeiras.

O interior de São Paulo é um mar de cana, café e laranja. Seu interior era cheio de quê?

Era um homem na metade do caminho, tinha 32 anos. Já não possuia os sonhos dos 20, não tinha a resignação dos 40, a calma dos 50, a loucura dos 18. O choro veio quase como um vômito, e o ar saía em pequenos soquinhos, parecia até uma risada contida, escondida pela mão direita. Duas lágrimas se preciptaram.

Ergueu novamente a face e a paisagem desfocada era como se vista através de pequenos prismas. Deu um gole mais comprido e novamente respirou fundo. Viu que lá ao longe havia uma pequena casinha, e imaginou como seria morar num local longe, bem longe de… tudo?

O café sem açúcar era amargo e a brisa levemente fria.

Foi meio pai e agora sua filha estava morando a milhares de quilômetros. Começava mais um relacionamento, 50% maravilhoso, 50% doloroso. Não ganhava o suficiente pra estar satisfeito, mas pagava todas as contas em dia. Era um homem na metade do caminho.

Queria desistir da viagem se tivesse vontade de voltar para trás.  Pensou que poderia ficar ali, para sempre, se o café não acabasse ou esfriasse. Poderia ser uma árvore a saudar sempre aquele pôr-do-sol.

Talvez precisasse apenas de algum carinho ou incentivo para entrar naquele carro e seguir em frente, ao seu destino, lógico e inevitável destino. Mas ele sabia que isso não aconteceria e sabia também que as pessoas não gostam de histórias contadas pela metade. O mundo é dos fortes, diziam os fracos. Decidiu anoitecer com a lua. Sua ida foi como a daquele carro que passa na rodovia ao longe, deixando um rastro de luz melancólico para trás. Apenas cenário. O que aconteceu a partir dali ninguém nunca soube, ficou do outro lado dessa metade.

 

* a imagem é o detalhe de um painel de Washington Pastore.

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